O som da campainha anuncia o recreio. As vozes das crianças se misturam ao cheiro do feijão e do arroz que chega das panelas. O pátio vira sala de convivência, o refeitório vira espaço de aprendizado.

Imagem criada por Inteligência Artificial
Ali, no simples ato de dividir a mesa, a educação segue viva, mesmo quando os livros se fecham e a merenda começa.
Mas em Quissamã, essa lição silenciosa foi interrompida.
A partilha do alimento, gesto simples que unia professores, alunos e servidores em torno da mesma mesa, foi desfeita por decisão administrativa. O governo municipal alegou que a legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) impedia o fornecimento da refeição aos profissionais da educação.
Na prática, o que se perdeu não foi apenas o direito de comer junto, mas o sentido de comunidade que se aprendia no intervalo.
Hoje, porém, essa justificativa não se sustenta mais.
O recente Parecer nº 00410/2025, emitido pela Consultoria Jurídica do Ministério da Educação e pela Advocacia-Geral da União, confirmou que o Salário-Educação pode ser utilizado para financiar ações complementares de alimentação escolar. Isso significa que o município pode garantir o fornecimento das refeições também aos profissionais da educação, sem infringir as normas do PNAE e sem comprometer os recursos destinados aos alunos.
A barreira que antes servia de desculpa deixou de existir. Agora, o que falta é vontade administrativa para restaurar uma prática que sempre foi símbolo de integração, respeito e aprendizado dentro das escolas de Quissamã.
Quando a merenda também ensina
A Indicação nº 017/2025, apresentada pela vereadora Alexandra Moreira, propõe retomar o fornecimento da alimentação escolar aos professores e servidores da rede pública municipal durante o expediente e dentro das próprias unidades escolares.
A proposta dá continuidade a uma luta iniciada ainda em julho de 2023, quando Alexandra apresentou a Indicação nº 020/2023 com o mesmo objetivo: reconhecer que o momento da refeição também é parte do processo educativo e da valorização dos profissionais da educação.
A iniciativa nasceu da convicção de que o intervalo também educa e de que o cuidado coletivo faz parte do aprendizado.
Mais do que corrigir uma distorção administrativa, a proposta reafirma o valor simbólico da mesa compartilhada como espaço de convivência e exemplo. É nesse encontro cotidiano que se aprende a respeitar, ouvir e pertencer.
O que se pretende é devolver à escola um dos seus gestos mais bonitos: o de partilhar. Quando todos dividem a mesma mesa, o aprendizado acontece naturalmente. É tempo de reconstruir essa convivência que faz da educação um ato de afeto e respeito mútuo.
Base legal e segurança jurídica
A proposta é juridicamente segura e tecnicamente viável.
O Parecer nº 00410/2025, emitido pela Consultoria Jurídica do Ministério da Educação e validado pela Advocacia-Geral da União, confirmou que o Salário-Educação pode ser utilizado para financiar ações complementares de alimentação escolar.
Isso garante que o município possa ampliar o atendimento também aos profissionais da educação, sem infringir as normas do PNAE e sem comprometer os recursos destinados aos alunos.
Em outras palavras, a justificativa usada para interromper o compartilhamento entre corpo docente e discente deixou de existir. O que antes era tratado como proibição agora é reconhecido como possibilidade legítima de valorização e integração.
Com base nesse novo entendimento, Quissamã tem condições legais, orçamentárias e morais de restaurar essa prática educativa e humana que sempre fez parte da identidade de suas escolas.
Educar também é partilhar
Em todo o país, centenas de municípios já compreenderam que o momento da refeição também educa. De escolas rurais a grandes centros urbanos, experiências de alimentação compartilhada entre alunos e educadores vêm se multiplicando como políticas de integração e valorização.
Onde essa prática foi implantada, os resultados são visíveis: o clima escolar melhora, os vínculos se fortalecem e o respeito mútuo se torna parte natural da rotina. Essas experiências mostram que a merenda pode ser mais do que um direito nutricional. Ela é também uma ferramenta de convivência e um gesto de igualdade.
Ao retomar essa política, Quissamã se une a uma rede crescente de cidades que enxergam a escola como um espaço que forma, acolhe e ensina o tempo todo, inclusive quando o sinal toca e o recreio começa.
Viabilidade financeira e administrativa
A viabilidade dessa medida já está assegurada. No mês de outubro, a Câmara Municipal aprovou um crédito adicional de 2,1 milhões de reais, destinado especificamente à alimentação escolar.
Esse valor não vem do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), mas de recursos do Salário-Educação, conforme autorizado pelo Parecer nº 00410/2025 da Consultoria Jurídica do MEC e da Advocacia-Geral da União.
Com essa nova fonte de financiamento, o município pode ampliar o atendimento sem comprometer o orçamento dos alunos. A estrutura de preparo e distribuição já existe, e o número de profissionais é muito menor do que o de estudantes, o que torna o custo adicional reduzido e perfeitamente sustentável.
Não há impedimentos jurídicos, técnicos ou financeiros. O que há é uma oportunidade concreta de tornar a alimentação escolar mais justa e mais humana.
É uma ação suplementar e legítima, amparada pela Constituição e respaldada pelos órgãos federais de controle. Falta apenas sensibilidade administrativa para transformar esse direito em prática cotidiana.
Quando o intervalo também educa
Educar é também cuidar. A escola ensina dentro e fora da sala de aula, nas conversas, nos gestos e até no momento da refeição. Quando professores e alunos dividem a mesma mesa, a merenda se transforma em lição de respeito, igualdade e pertencimento.
A proposta da vereadora Alexandra Moreira reafirma que a educação não termina no intervalo. Pelo contrário, é nele que muitas vezes nascem as maiores lições de convivência, solidariedade e empatia.
Restaurar o compartilhamento da alimentação escolar é reconstruir o espírito coletivo das nossas escolas e reconhecer que quem ensina também precisa ser acolhido.
A escola continua ensinando quando o livro se fecha e a refeição começa. Na merenda, também mora uma lição.” Alexandra Moreira