
O que deveria ser um procedimento básico de qualquer hospital — a higienização adequada das roupas usadas por pacientes e profissionais de saúde — transformou-se em mais um capítulo de descaso com a saúde pública em Quissamã-RJ.
Um documento recentemente protocolado expõe uma situação que mistura improviso, risco sanitário e má gestão: ambulâncias e veículos da Vigilância em Saúde estariam sendo desviados de sua finalidade para transportar roupas hospitalares sujas até Guarús, em Campos dos Goytacazes, e trazer de volta roupas supostamente limpas.
Ofício 028-2025 – Roupas da Saúde
Um cenário que desafia a lógica da saúde pública
A chamada “lavanderia” visitada em Campos não lembra em nada um ambiente adequado para processar roupas hospitalares. O espaço funciona em área rururbana, cercado de gado e entulhos, sem evidências de cumprir as exigências da Anvisa para separar fluxos de roupas limpas e contaminadas.
O quadro se agrava quando se constata o tipo de transporte: uma ambulância do SAMU, com placa identificada, carregando sacos de roupas sujas. O mesmo veículo, custeado para salvar vidas, sendo usado para levar e trazer peças potencialmente contaminadas.
Milhões em contratos, improviso na prática
A distorção administrativa fica ainda mais clara quando se observa a conta: a Prefeitura já desembolsou mais de R$ 8,6 milhões em contratos de aluguel de ambulâncias terceirizadas. Enquanto isso, as ambulâncias próprias do município são usadas como caminhões de lavanderia.
A contradição é óbvia: paga-se caro por veículos alugados, mas mantém-se os oficiais desviados da função essencial. Resultado: desperdício de recursos e exposição da população a riscos desnecessários.
E o quadro é ainda mais grave quando se olha para o caixa: somente em 2025, até o mês de setembro, já foram empenhados mais de R$ 41 milhões para a Organização Social INSV (Instituto de Saúde Nossa Senhora da Vitória). Montante robusto, que por si só deveria garantir a execução plena dos serviços contratados — inclusive a lavanderia hospitalar. O contraste entre os valores investidos e a realidade encontrada é prova de que o problema não está na escassez de recursos, mas na má gestão e na falta de fiscalização.
Descumprimento contratual e omissão
De acordo com o contrato de gestão, a responsabilidade pela operação da lavanderia hospitalar é da Organização Social INSV (Instituto de Saúde Nossa Senhora da Vitória). Porém, há meses a lavanderia municipal está inativa — mesmo após a compra de equipamentos de linha hospitalar em 2021, no valor de R$ 226.900,00, que seguem subutilizados.
A omissão do poder público em exigir o cumprimento do contrato e em adotar medidas corretivas transformou uma falha técnica em um problema crônico, coberto por improvisos perigosos.
Roupas que deveriam proteger podem estar contaminando
As consequências recaem sobre os mais vulneráveis: pacientes em recuperação cirúrgica, oncológicos, idosos e crianças com imunidade fragilizada. Usar roupas lavadas sem garantia de esterilização adequada amplia o risco de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS), uma das principais causas de mortalidade evitável no sistema hospitalar brasileiro.
Exigências e questionamentos
Diante do quadro, foram cobradas medidas urgentes:
- suspensão imediata do uso de ambulâncias e caminhonetes para transporte da rouparia;
- veículos exclusivos, adaptados e higienizados para esse fim;
- cronograma emergencial para reativação da lavanderia hospitalar municipal;
- esclarecimentos sobre a compra recente de insumos de lavanderia, no valor de R$ 6.393,50, mesmo com a estrutura parada;
- inspeção técnica da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar no local utilizado em Campos.
O caso também foi encaminhado ao Ministério Público Estadual da Tutela Coletiva, para apuração das responsabilidades administrativas e sanitárias.
Mais que denúncia, um retrato da gestão
O episódio da lavanderia em Quissamã-RJ não é apenas um problema pontual. Ele revela a lógica perversa de contratos milionários, serviços básicos paralisados e improvisos que custam caro — tanto para o erário quanto para a saúde da população.
Quando uma ambulância é usada para transportar roupas sujas em vez de salvar vidas, a mensagem é clara: a gestão perdeu o rumo, e a população paga a conta.
“Não se trata apenas de roupas. Trata-se da vida de cada paciente que entra no hospital confiando que será cuidado com dignidade. E é esse direito básico que eu vou continuar defendendo”, afirmou a vereadora Alexandra Moreira.
Acesse o vídeo da Sessão do dia 30 de setembro